domingo, 21 de novembro de 2010

A Realidade do Destreinamento

É triste mas é verdade. Leva-se meses e até anos para se adquirir determinada performance e para perder bastam de 2 a 4 semanas. Esta é a conclusão de vários estudos com relação a destreinamento, um termo conhecido em Fisiologia relacionado à perda de condicionamento nos atletas de endurance tais como corredores fundistas, ciclistas de estrada, nadadores, triatletas entre outros esportistas. A queda do VO2 Máximo segundo esses estudos, está associado, entre outros fatores, à redução do débito cardíaco. As câmaras cardíacas, deixando de receber os estímulos reduzem rapidamente o poder de contração e conseqüentemente o volume sistólico, fato facilmente percebido pela Freqüência Cardíaca de repouso aumentada logo na primeira semana de suspensão das atividades.

Segundo Coyle, os sistemas corporais regridem na mesma proporção da diminuição do estímulo. Ou seja, se a parada é repentina como nas lesões, a regressão é rápida. Convertino, citado por Fabiana Evangelista e Patrícia Brum na Revista paulista de Educação Física mostrou que o débito cardíaco máximo sofreu uma redução de 26% após 21 dias de destreinamento. Em outro estudo realizado pelo mesmo pesquisador, a redução do débito cardíaco e volume sistólico foram de 23% em apenas 10 dias. Isso demonstra claramente que a queda é vertiginosa nos primeiros dias. Depois, a curva de perda é mais lenta. Menos mal. Afastamentos de 21 a 84 dias, a perda não é total e o retorno às atividades não partem do zero, além disso, a evolução costuma ser mais rápida.

Os efeitos de redução não se restringem ao sistema cardiovascular, mas também à massa muscular incluindo o miocárdio. Ehsani, Hagberg & Hickson, estudando corredores de elite numa parada de três semanas, através de ecocardiografia comprovaram uma diminuição da capacidade diastólica do ventrículo esquerdo de 51 para 46,3 mm assim como a espessura da parede do miocárdio de 10,7 para 8 mm. Fatores que sabidamente interferem no volume de sangue bombeado a cada batimento cardíaco. Da mesma forma a capacidade dos músculos esqueléticos levar e consumir oxigênio, (diferença artério-venosa) também diminui significativamente. A rede capilar perde facilmente a sua elasticidade dificultando o fluxo do sangue. Quanto maior a performance com relação ao VO² Máx. mais rápida e maior é a perda. Ou seja, atletas de elite têm mais para perder do que as pessoas comuns.

Estamos vendo que o afastamento temporário, seja por uma lesão, férias ou mesmo transição de temporada competitiva, pode causar perdas importantes. O conhecimento real dessa reação, fornece dados para melhor prescrição de programas de exercícios no retorno ao pico de performance. Um dos grandes problemas de quem volta a treinar depois de um período parado, é justamente achar que não perdeu nada, tentando voltar com a mesma carga e ou intensidade, que estavam no momento da interrupção, podendo até sofrer uma nova lesão.

O destreinamento é percebido não só no atleta de endurance, mas também aos adeptos à musculação especialmente à hipertrofia muscular abrangendo mesmo aos simples mortais. Isso reforça a importância da prescrição lenta gradual e progressiva seguindo os chamados princípios da Educação Física. O da continuidade diz respeito à freqüência semanal escolhida seja 3, 4 ou 5 vezes. Alguns alunos, logo ao se matricularem numa academia querem "entrar de sola" malhando todo dia. Começam a ver que não dá certo e ora, numa semana vão três vezes, ora duas, ora nenhuma. Resultado. Não chegam a lugar nenhum. É importante estabelecer uma rotina viável de um mínimo de três vezes por semana com intervalos regulares.

Existe ainda uma outra forma associada a destreinamento citada por Zatsiorsky na área de musculação. O músculo pode diminuir a seção transversal sem perda real de força quando o aluno resolve ficar executando sempre a mesma série, mesmo intervalo, mesmo método e mesma carga. A variação de métodos e exercícios mesmo sendo para o mesmo grupo muscular, teoricamente tem a intenção de recrutar o maior número de unidades motoras mantendo o maior volume muscular e força geneticamente possível.

O destreinamento também pode ter a sua aplicação proposital e muito pouco usual, pelo menos aqui no Brasil. É o caso de atletas que atingem o auge de suas carreiras e se aposentam. Normalmente são abandonados à própria sorte deixando de fazer qualquer tipo de treinamento. Viram de uma hora para outra sedentários, engordam, adquirem até doenças relacionadas à falta de exercícios tais como hipertensão e diabetes. A aposentaria do atleta deveria ser prevista num programa de exercícios lento, gradual e regressivo partindo da carga alta a que ele estava acostumado a fazer para uma intensidade moderada visando qualidade de vida das pessoas normais. Não deixa de ser um destreinamento, só que, com um objetivo definido.

Bom, vimos que a performance adquirida à custa de muito suor determinação e por longo período pode ser perdida quase que, num passe de mágica em duas semanas. A base mais significativa dessa perda está no sistema cardiovascular onde o débito cardíaco regredindo deixa, de alimentar os outros sistemas corporais. Tudo isso na verdade reforça a necessidade da prescrição e acompanhamento profissional. Quem por um motivo ou por outro necessita parar de treinar precisa ser orientado com relação a quais exercícios devem fazer e com que intensidade até para uma retomada à performance. Parar repentinamente pode trazer grandes prejuízos para o corpo, para a mente e para a sociedade.

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