sábado, 6 de agosto de 2011

O CICLISTA

Curvado no guidão lá vai. Ele numa crispa. Na esquina dá com o sinal vermelho e
não se pertuba – levanta vôo bem na cara do guarda crucificado. No labirinto urbano
persegue a morte com o trim-trim da campainha: entrega sem derreter sorvete a
domicílio.

É sua lâmpada de Aladino a bicicleta e, ao sentar-se no selim, liberta o gênio
acorrentado ao pedal. Indefeso homem, frágil máquina, arremete impávido colosso,
desvia de fininho o poste e o caminhão, o ciclista por muito favor derrubou o boné.

Atropela gentilmente e, vespa furiosa que morde, ei-lo defunto ao perder o ferrão.
Guerreiros inimigos trituram o chio de pneus o seu diáfamo esqueleto. Se não
estrebucha ali mesmo, bate o pó da roupa e – uma perna mais curta – foge por entre
nuvens, a bicicleta no ombro.

Opõe o peito magro ao pára-choque do ônibus. Salta a poça de água no asfalto. Num só
corpo, touro e toureiro, golpeia ferido o ar nos cornos do guidão.

Ao fim do dia, José guarda no canto da casa o pássaro de viagem. Enfrenta o sono trim-
trim a pé e, na primeira esquina, avança pelo céu da contramão, trim-trim.

Dalton Trevisan

Texto enviado por Renato André

Nenhum comentário: